Há muitas décadas, uma família de Santana do Acaraú(CE) veio de muda aqui para Ipu. Vicente Sabino, casado em segundas núpcias com Dª Nana, trazendo alguns filhos, entre os quais, José Maria Sabino que casou-se com minha tia Maria Clotilde (a saudosa tia Mariinha).
O Sr. Vicente Sabino, homem branco de olhos azuis, muito educado, de bons costumes e ao mesmo tempo cavaquista e gozador, parecia até com um descendente de europeus. Costumava usar uma boina de tecido, suspensórios e tamancos de madeira (na época era comum também para homens), além de adorar pitar um cachimbo.
Seu Vicente era comerciante e encadernador de livros. Em sua bodega vendia de tudo um pouco. Era chamado pelos mais íntimos de tio Vicente. Tinha um excelente "papo" que atraia fregueses e rendia-lhe grandes amizades aqui em Ipu. Sua bodega sempre tinha muita gente, a maioria para conversar e ouvir as estórias do velho.
Lá pelos idos anos quarenta, quando quase não existia variedade de produtos industrializados e quase tudo que se vendia era natural, manufaturado ou fabricado artesanalmente nos sítios e fazendas. Nossa região, principalmente a serra, produzia muito fumo e o seu beneficiamento era feito manualmente e em forma de grossas cordas, meladas com uma calda preta pegajosa, e eram enrodilhadas e embaladas dentro de malas de couro para não ressecar nem perder o aroma.
Tio Vicente, além de ser um especialista no produto, fazia um tradicional torrado de tabaco e o vendia em corrimboques feitos de pontas de chifres de boi, com uma tampa de casco de cabaça, com uma correia de couro para facilitar sua remoção. Era comum gente com um corrimboque no bolso, com torrado para inalar nagiragas que causavam estranha sensação, seguida de crise de espirros.
Naquela época, cigarro industrializado também não era muito comum. Usava-se muito o cigarro de fumo picado e enrolado em palha de milho ou papelina. Meu saudoso sogro, Antônio Carvalho Martins (Martinzão ou Bodão, como era conhecido), conservou essa tradição enquanto fumante e afirmava não existir sabor igual.
Na bodega do tio Vicente tinha algumas malas de fumo sob o balcão e quando o freguês procurava, ele arrastava a ponta da corda de dentro da mala para cima do balcão, onde tinha a vara de medir (régua de madeira própria) e o cortador, em forma de guilhotina.
Conhecia-se o fumo pelo cheiro. Cheiro mais ativo, fumo mais forte; cheiro mais moderado, fumo mais fraco. Mas, entre os extremos, existia uma grande variedade de fumos que só com um sensível faro e bom conhecimento se identificava.
Numa bela manhã de sábado, em plena feira, bodega cheia de gente - uns comprando, outros apenas conversando - um freguês de fumo pede ao tio Vicente:
- Seu Vicente, deixe eu espiá os fumo aí.
Tio Vicente puxa uma corda de fumo, o fregues pega, cheira...
- A mincê me mostre outro aí.
Tio Vicente puxa outra corda, mais outra, e o "cara" só cheirando. Já com o nariz todo melado de golda de fumo, o freguês pede mais uma corda pra experimentar e, quando cheira, solta um estrondoso peido. Meio sem jeito, ainda interpela o tio Vicente:
- A mincê num tem um fumo mais forte aí não?!
Tio Vicente, já p. da vida, responde taxativo:
- Fumo pra cagar eu não tenho não, seu peidão!!!
E já foi enrolando as cordas de fumo para guardá-las sob risos e gargalhadas da platéia presente.
Redação:
Antônio Tarcízio Aragão
(Boris)
Adaptação / Edição:
Ricardo Aragão
Imagem:
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