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ENTREVISTANDO O SEU TENÓRIO
A você que nesta hora
Estes versos passa a ler
Sem ter muito interesse
Espere para entender
Pois eu vou lhe avisando
Vá logo se preparando
Pra uma lição receber
Estas mal postadas rimas
Podem até não ter valor
Para aquele que se acha
Um empresário ou doutor
Porém pro cabra da peste
Que de gibão só se veste
Elas têm muito valor
Pois o povo do sertão
Que passa dificuldade
Que na roça lavra o chão
Sem qualquer facilidade
E sem ter divertimento
Vive nesse tormento
Sem lamento e sem maldade
Para esse povo é que faço
Este poema simplório
Por isso mantendo a rima
Mudarei o repertório
Passarei a relatar
A história d’um lugar
E do sertanejo Tenório
Seu Tenório dê licença
Vim aqui lhe perturbar
Vou fazer umas perguntas
Quero ouvir você falar
Me conte dessa sua lida
E da sua forma de vida
Para eu documentar
Seu dotô preguntadô
No que eu posso ajudá
Eu tenho pôco istudo
Vós mincê há de notá
Mode o jeito que eu falo
Mas se for nesse imbalo
Passe logo a preguntá
Eu me chamo Aragão
Sou escritor de cordel
E preciso entender
Pra colocar no papel
Essa vida do sertão
E também do coração
Do sertanejo fiel
Muito prazê iscritô
Dos verso mais naturá
Vou lhe falar sim sinhô
Faça o favô de sentá
Que a cunversa é cumprida
Vou já lhe falar da vida
No sertão do Ciará
Nossa labuta é penosa
Se acorda de madrugada
Pra prepará um café
Prus minino e pra amada
Fazê o quebra-jejum
Imprial não tem nenhum
Pra güentá a inxada
Quando o sol vem apontando
E raiando no nascente
Eu pego o meu alforje
E saio bem de repente
Pra capinar o roçado
E mesmo muito cansado
Passo o dia bem contente
Eu sinto filicidade
E não perco a isperança
De cuiê grande fartura
Mas sem ter munta ganança
Apois não faltando o feijão
Pra nóis de cá do sertão
Já é grande abundança
Mas a lida é bem dura
Neste meu grande sertão
Que sofre com seca braba
Esturricando esse chão
As água seca dos pôço
Eu vou lhe dizer, seu moço,
Não queira esta vida não!
Aqui se pranta de tudo
Arroz, mio e fejão
Se pranta a macaxeira
E tombém o algodão
Mas no tempo de escassez
O cabra pensa de vez
Ir simbora do sertão
Porém esse pensamento
Foge logo da lembrança
Quando no fim do ano
Se apuluma a isperança
Com as tôrre no nascente
E os ráio reluzente
Com o inverno que avança
O sertanejo se anima
E cumeça a pranejá
A prepará um terreno
Pra cumeçá a brocá
Vai procurá o patrão
Com o machado na mão
Prumode ele autorizá
Prante naquele pedaço
Na solta do alazão
A terra é boa e macia
Assim disse o patrão
Mas limpe o mato com jeito
Prumode ficar sem defeito
Aquele pedaço de chão
Dessa forma o cabôco
Vai bastante alvoroçado
Amolar a sua foice
E também o seu machado
E pra solta vai tocar
Levando seu patuá
Com zelo e muito cuidado
Leva também o seu fio
Que já se tornou rapaz
Aprendendo a trabaiá
Vendo o que seu pai faz
Na lida de todo dia
Era a lição que valia
Pra mostrá que é capaz
Assim começa a peleja
Como tudo aqui no norte
Porém oiando o nascente
E vendo o chegá da sorte
Com a barra preparando
E o inverno avizinhando
Se isquece inté da morte!
A broca cumeça cedo
Pau fino, garrancho e tora
A inxada e o machado
Num para nenhuma hora
E assim vamu levando
Um eito deste tamanho
E adispois vamu simbora
O sol já esconde a cara
É chegado o intardicê
Os cabra recói os ferro
Já querendo ismurecê
Apois a lida foi dura
Só farinha e rapadura
Foi o nosso dicumê!
E assim seguimo a vida
Trabaiano o dia intêro
Oiando para o nascente
E pidindo pra São Pedro
Nos trazê muita bonança
Nunca morre a isperança
Desse povo brasilêro
Seu Tenório, então me diga,
Me fale com experiência.
E quando chega o inverno,
Como fica essa vivência?
Pois a lida continua.
É fato, não atenua.
Narre sua existência.
Fica tudo uma maravia
Quando chove no sertão!
Das simente qui prantamo
Na solta do alazão
A perda foi bem pequena
Até vou tirar uma renda
E mandá para o patrão
Agora temo fartura
Arroz, mio e fejão
Dá inté pra ingordá
Umas quatro criação
Na panela tem comida
As coisa boa da vida
O cabra tira é do chão
E a sobra vou vendê
E com o dinhêro comprá
Um retaio pra muié
Se vistir e se arrumá
O terrêro vou varrê
E o forró vai é cumê
Inté o dia raiá!
E agora seu dotô
Penso que já respondi
As pregunta que me fez
Do que sei, do que vivi
Da vida dura do norte
Deste cabôco forte
E das coisa que senti
Me adisculpe o mal jeito
E também a ignorança
Deste cabra do sertão
Que puxou pela lembrança
As palavra mais certêra
Da primêra à derradêra
Pra responder com elegança
Mas que nada, Seu Tenório,
Por ser cabra do sertão,
Não torna sem importância
As respostas dadas não.
Pois mesmo sem expressar
Um correto linguajar,
O senhor me deu lição!
Me mostrou que nesta vida,
Seja pobre ou doutor,
A correta atitude,
A que tem grande valor,
É o que se trás no peito,
Tendo sempre o respeito
Pelo que se tem amor.
O senhor também me fez
No ser humano apostar.
Com sabença ou sem estudo,
Isso não vai importar.
Pois pra ser conhecedor,
Sendo pobre ou doutor,
Não precisa estudar.
Basta só olhar o mundo
Com bastante atenção.
E observando tudo
Se tira grande lição.
Sem deixar a humildade,
Nem cometer a maldade
De achar que é sabidão.
Nada sei é o que eu sei,
Assim disse o pensador.
Aquele que é sabido
E se acha um doutor,
Devia ir pro sertão,
Trabalhar naquele chão
Pra saber do seu valor!
Sou Ricardo Aragão.
Já me dou por satisfeito.
E encerro este cordel,
Que mesmo sem ser perfeito,
Expressei com o coração,
Ao falar do meu sertão
Com carinho e com respeito!
Ricardo Aragão
Ipu, 08.12.2008
Edição de imagem: Ricardo Aragão
Fonte da imagem original: http://forademoda.wordpress.com/2007/07/10/a-moda-somos-nozes/
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Este espaço foi pensado para divulgar e discutir a Cidade de Ipu/CE de uma forma bem espontânea, através de crônicas, causos, versos, além de opiniões e comentários diversos, tanto do autor, quanto dos nossos visitantes. O blog IPU EM CRÔNICAS E VERSOS, embora com muita humildade, busca também promover as peculiaridades do Nordeste através do cordel, uma das expressões mais originais de nossa cultura. Sejam todos bem-vindos! (Ricardo Aragão)